De kk2011

Main: Entrevista Com Solange To Aberta

Entrevista por Íris Nery pro zine True Lies, publicado no verão de 2009.

1) Como começou a banda? De onde vem o nome "Solange, tô aberta" e quais são as influências mais fortes em vocês, tanto na música, nas letras, no cotidiano?

Em julho de 2006 começamos a conversar sobre o projeto, a idéia inicial seria algo meio teatral que misturasse música e poesia... mas foi difícil encontrar músicos disponíveis, e lógico, não ficamos esperando, resolvemos usar bases eletrônicas e trabalhar como dupla, isso nos deu liberdade pra colocar em prática todas as nossas idéias mais bizarrinhas, começamos a escrever as letras, e em outubro do mesmo ano com muita cara de pau fizemos nosso primeiro show. Para homenagear as travestis resolvemos usar um nome "feminino”, depois de pensar em milhares chegamos a conclusão que "Solange" era o que mais nos agradava. O "Tô aberta!" retiramos de uma música do duo Tetine chamada "Eu tô aberta". E uma parte da música diz: "Eu tô aberta porque eu sou feliz. Eu tô aberta porque eu tenho muito pra dar e o mundo precisa de mim". É um barato!

Paulo:Eu ouço de Gaiola das Popozudas à Atari Teenage Riot... Sou hiper eclético... e adoro escrever sobre coisas/pessoas/pensamentos que me dão ânsia de vômito como machismo e catolicismo por exemplo. Às vezes também escrevo sobre situações vividas por mim ou pessoas próximas.Críticas cheias de discursos moralistas também são muito inspiradoras. Escrevo cada palavrinha pensando carinhosamente em irritar aos que merecem!

Pedro:Eu cresci ouvindo Roberto Carlos, Menudo, Dominó, música clássica e românticas internacionais. Depois me apaixonei por Jean Michel Jarre e a Dance Music. Amei Lambada em Belém, depois curti bem pouco de Forró e Axé em Natal. Então me apaixonei pelos movimentos contra culturais como o Hippie e o Punk, porque me identifiquei com eles, e passei a ler, ver filmes, conhecer músicas e ter atitudes etc. E fui pra vida. Nas letras, coloco coisas que vivo. Como sempre escrevi desde pequeno sobre coisas que eu odiava e amava, continuo fazendo isso e na Solange a liberdade é total! É autobiográfico, crítico, político, são as entranhas à mostra! Bem, no cotidiano... (só andando comigo pra saber, rs).

2) Pode-se dizer que a banda trata de assuntos que põem em questão não só a heteronormatividade, como também a homonormatividade. Vocês já tocaram em baladas gays, encontros universitários, com bandas de hardcore, etc. Há algum tipo de resistência por parte desses diversos públicos? E quando se trata de locais propriamente glbt's?

Paulo- Tocar em diversos lugares nos dá a alegria de ter um público diverso. Pessoas puritanas e pré-conceituosas é o que mais tem, e isso independe da identidade sexual. Dar prazer e incomodar são nossas principais intenções baby, de uma forma ou de outra a sensação de dever cumprido é a mesma! Soltar os bixos e principalmente as BIXAS que estão dentro de nós, é coisa pra quem pode! Quem não pode vai pra casa ouvir Padre Marcelo Rossi, ou se masturbar na web cam sem mostrar o rosto! (shows)

Pedro– Resistência?? Nós é que somos a resistência! Rs Homofobia tem em tudo quanto é canto. Pouco interessa que tipo de público é. Essa merda é uma coisa invisível que está dentro corroendo as pessoas. E quando aparecemos, ou essa coisa vem com força e eles resistem, odeiam e vão embora ou então não querem nem saber desse papo e vão se divertir junto com a gente e ser feliz!

3) "Travesti é purpurinado, travesti é glamuroso, travesti é tão moderno, travesti é tão gostoso". Qual a relação das Solanges com as travestis?

Paulo- Nós admiramos e respeitamos muito! Convivo e aprendo pra caramba com varias travestis, mas a música em questão chama-se "Travesti R?" (o verbo), é uma espécie de apologia ao ato de travestir-se.

Pedro: Amigas

4) "Maquiagem e sainha, salto alto e calcinha, é muito mais divertido que bermuda e cuequinha" (TRAVESTI). Porque o uso de peças do vestuário "feminino" no figurino dos shows?

Paulo- Respondo com outra pergunta, quem denominou o que é ou não vestuário feminino? A sexualidade está na pessoa que veste e não na roupa. Já fui espancado ao ponto de ficar desfigurado, pelo simples fato de estar usando baton.. Continuo usando maquiagem nos shows e fora deles também. Uso meus vestidos e tudo o que me der vontade. É um direito meu e eu não sou covarde o suficiente pra reprimir isso! Só quem convive de perto ou levou porrada na cara sabe o quanto homofobia rima com covardia.

Pedro– É feminino? Se não me avisassem eu não saberia! Bem, eu tinha um grande desejo de ser artista Drag Queen. Convivi muitos anos de perto com essa arte, mas não sou. Nem gay eu sou, imagina drag... (hoje gosto de me ver/sentir como queer). E sempre curti roupas, independente se eram "femininas" ou "masculinas". Eu adoro roupas antigas e de brechó, tanto que até já fui dono de um. E, nas minhas performances sempre usei tudo. E maquiagem, tanto na rua, quanto em oficinas de arte, quanto no palco.

5) No myspace o som de vocês está defindo como "punk/electro/funk": em que consiste a influência do punk na banda?

Paulo- Na contestação, por representarmos tudo o que os conservadores abominam, por dizer que "dá o cu e chupar rola" é gostoso não ser um atitude muito comercial e principalmente pela nossa insatisfação!

Pedro– Na atitude! No Faça Você Mesmo (não espere a banda passar, rs)! Em falar de coisas que acreditamos, mesmo com o risco de morte, porque já sofremos esse risco sem falar nada. É como diz no funk carioca: "se não gostou, me engole!"

6) Hoje a gente está vendo uma onda de bandas como Bonde das Impostora, Bonde do Rolê, UDR, fazendo sucesso entre os moderninhos da classe média. Porque a escolha do funk nas bases das músicas? É por influência dessas bandas ou do funk carioca da periferia?

Paulo- No começo ouvimos muito funk carioca, e também esse funk de "classe média" não só das bandas citadas, esse movimento ganhou mais visibilidade atualmente, mas existem outras bandas que já faziam isso como Miami Brother's e Tetine por exemplo. Temos o funk em comum, mas as propostas são bem diferentes. Foi no funk que vimos a possibilidade de dizer tudo da maneira como queríamos. Esse foi o principal motivo.

Pedro– Na real, tudo é por influência do funk carioca! Veja, foi Tetine que jogou o funk carioca pros europeus sacarem! E isso abriu espaço pras bandas daqui. Mas quem eles levaram pra lá? Deize Tigrona, por exemplo. E lançaram um LP, por um selo internacional importante, com vários artistas da periferia do Rio. E, como eles dizem, o funk carioca é a música eletrônica brasileira. Aí, tem dj´s que tocam Kuduro (da Angola), funk carioca, Cumbia (Colômbia e Argentina) e dão ao nome disso de Gheto Tech..não gosto porque é como se, novamente, retirassem o que é nosso e taxassem com outro nome.

7) Uma constante nas músicas da banda é a temática em torno do sexo (principalmente o homoerotismo), sendo que algumas letras se utilizam de palavras consideradas de "baixo calão" - como cu, pica, buceta, bola-gato, pau - para tratarem do tema. O que vocês podem falar sobre "vulgarização" do ato sexual? Vocês se consideram vulgares ou banalizadores do sexo?

Paulo- O critério que a sociedade usa pra definir o que é banal e vulgar é o mesmo que faz grande parte das mulheres morrerem sem saber o que é um orgasmo. Não existe diferença de anus, pênis e vagina, para cu, caralho e buceta. Recentemente, enquanto voltava pra casa, uma amiga travesti, foi espancada com golpes de garrafa, por um grupo de rapazes de classe média/alta. Ela continua no hospital sem poder trabalhar, e os caras estão lá na boa vivendo suas vidinhas medíocres e provavelmente rindo da cara dela. O mais nojento é que se você mostrar uma música nossa pras mães desses babacas elas sem dúvida ficarão chocadas e vão chamar de baixaria. As pessoas adoram desviar as atenções.

Pedro- Bem, é como um cara fala no documentário "Sou feia mas tô na moda", sobre o funk carioca da Cidade de Deus no Rio: "essas pessoas que cantam funk hoje cresceram ouvindo “e vai descendo na boquinha da garrafa” com uma mulher semi nua quase enfiando uma garrafa na bunda, em todas as televisões, e isso não era imoral, e o funk hoje é". Então, acredito que falar sobre isso é muito complicado. Acho que cada um acredita no que quer. As vezes eu, Pedro, acredito que sou vulgar e que banalizo o sexo sim, mas não tenho problema nenhum com isso. E, se eu faço, é um reflexo do que quero e gosto no momento. Bem, não sou católico, então tô livre! rs

8)Ainda sobre a questão anterior, vocês acham que o uso constante dessas palavras e do tema reforça o estereótipo do gay "promíscuo", "supersexuado"?

Paulo- Pro homossexual ser aceito pela sociedade, ele precisa fingir ser assexuado. As pessoas aceitam um casal gay na novela das 8, desde que não tenha beijo na boca, por que na vida real também é assim. Qualquer pessoa fora dos padrões heteronormativos recebe muita discriminação e violência seja ela física ou mental. Já vi inúmeras vezes a palavra "gay" sendo usada como um xingamento para agredir pessoas. Uso esse exemplo pra mostrar que uma palavra pode ser utilizada e interpretada de várias maneiras, depende de cada um. Francamente, nunca me interessou saber o que as pessoas pensam ao meu respeito. Não me preocupo em ser ou não, promíscuo e supersexuado, mas sim em poder ter liberdade pra ser o que quero, sem ter que pagar mais caro que ninguém por isso.

Pedro – Reforçar mais do que os "próprios gays" reforçam? Será que isso não é mais um discurso sobre o que deve ser "homem" em nossa sociedade? Que homem deve fazer sexo sempre e nunca cansar? Quanto mais, melhor? Eu acredito que pode reforçar, dependendo da cabeça da cada pessoa... mas, no fundo, se a pessoa fizer um esforço e usar um pouco da sua cabecinha, vai sacar o que estamos falando realmente...

9) Pra mim é o grande ponto forte da banda: o fato de conciliar política e diversão, quebrando a idéia de que há uma hora pro ativismo e pra política, e outra para a diversão. Como se política rimasse com seriedade, e não com espontaneidade. Conhecemos bandas que as vezes o discurso e letras políticas são abordadas de maneira positiva, onde te faz pensar ou perceber algo diferente, mas há, também, aquelas bandas que quando ouvimos seu(s) discurso(s) político nos fazem sentir no gabinete do diretor do colégio. A diversão e a política suportam ficar uma ao lado da outra? Comentem sobre esse binômio política x diversão, política e diversão.

Paulo- Grande pergunta essa! A política está totalmente ligada a diversão, porque se você não acredita e faz valer os seus direitos, muito provavelmente não terá uma vida feliz. Somos da turma do "faça você mesmo." Não é fácil manter um projeto como o nosso, mas nossa onda é transformar as dificuldades em oportunidades. Nesse pouco tempo de vida a STA já nos deu muitas alegrias e muita coisa ainda está por vir. Por vivermos num país ainda muito machista e super influenciado pela igreja católica, temos total consciência de que nem todos estão preparados para entender nosso trabalho, mas o bacana é ver que muita gente se identifica e quando isso acontece elas recebem nossas mensagens da melhor maneira, se divertindo! Quando uma mulher fala "Eu dou pra quem quiser que a porra da buceta é minha", ela está fazendo valer o seu direito de ter prazer sem culpa. Atitude política é ser e fazer tudo o que te dá prazer, sem se curvar aos padrões ou ao que as pessoas pensam. Acredite, baby, a revolução sexual ainda está pra acontecer, e vai ser gosssstosa hein!

Pedro– Lógico que sim. As Drag Queens são politicamente divertidas. Nossos humoristas também. Tem vários exemplos de artistas assim. Quem quer falar e ler coisa séria, está enfiado nos gabinetes acadêmicos estudando e escrevendo. Quem quer ser político está estudando pra isso, está levando tudo muito a sério. A gente está na vida pra se divertir e brincar juntos com o máximo de pessoas possíveis! Eu, sempre fui extremamente político desde criança, mas nunca fui e não pretendo ser filiado a partido político nenhum. E sempre adorei tirar onda. Essa coisa do binômio parece que nos acompanha, né? Rs. É homem ou é mulher? É político ou é diversão? É funk ou é punk? É bom ou é ruim? Vamos tentar ir além dos binômios?

Originário de http://kk2011.confabulando.org/index.php/Main/EntrevistaComSolangeToAberta
Pagina modificada em 21 de January de 2009, às 23h14