duas citações de audre lorde:
“as ferramentas do senhor nunca vão derrubar a casa-grande”
“Sermos mulheres juntas não era o suficiente.
Éramos diferentes.
Sermos garotas homo juntas não era suficiente. Éramos diferentes.
Sermos Negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes.
Sermos mulheres Negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes.
Sermos sapatas Negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes...
Levou um tempo para percebermos que nosso lugar era não a segurança de uma diferença em particular, mas a própria casa da diferença.”
trecho do poema Dahomey:
Carregando dois tambores na minha cabeça eu falo
qualquer linguagem necessária
pra afiar as facas de minha língua
a cobra está alerta ainda que durma
sob meu sangue
já que sou uma mulher estando ou não
você contra mim
eu vou trançar meu cabelo
mesmo
nas estações de chuva
outro poema traduzido:
Excursionando(também do livro "The Black Unicorn")
Indo e vindo de cidades
onde passo um ou dois dias
me vendendo
onde passo uma ou duas noites
em camas que não têm tempo de me caber
indo e vindo de cidades
rápido demais
pra ser tocada por sua mágica
eu queimo
das camas que não me cabem
eu parto saciada
mas sem sentir
qualquer textura da casa que invadi
por convite
eu parto
com uma noção perturbadora
do cerne rígido da carne
perdido
e verdadeiramente revelador.
Eu deixo poemas por onde passo
jogando-os como sementes escuras que
não vou colher
que nunca vou velar
se forem destruídas
elas pagam uma prenda
que não aceitei.
Indo e vindo de cidades
intocada por sua mágica
eu penso, sem sentir,
que isso é o que homens fazem
tentar alguma conexão
e falhar
e largar
cinco dólares na mesa.
a unicórnio negra
A unicórnio negra está ávida.
A unicórnio negra está impaciente.
A unicórnio negra foi confundida
com uma sombra
ou símbolo
e levada
por um país frio
onde a neblina desfez em zombaria
minha fúria.
Não é no colo dela que o chifre descansa
mas bem dentro de sua cratera lunar
crescendo.
A unicórnio negra está inquieta
a unicórnio negra está tensa
a unicórnio negra não está
livre.
uma mulher fala (trecho)
Marcada pela lua e tocada pelo sol
minha mágica é não-escrita
mas quando o mar se volta
vai deixar minha forma atrás.
Não quero nenhum favor
intocada pelo sangue
rígida como o decorrer do amor
permanente como meus erros
ou meu orgulho
eu não confundo
amor com piedade
nem ódio com desprezo
e se você fosse me conhecer
olhe dentro das entranhas de Uranus
onde o oceano revolto quebra.
Uma ladainha por sobrevivência - audre lorde
Para aquelas de nós que vivem na beirada
encarando os gumes constantes da decisão
crucial e solitária
para aquelas de nós que não podem se dar ao luxo
dos sonhos passageiros da escolha
que amam na soleira vindo e indo
nas horas entre as alvoradas
olhando no íntimo e para fora
simultaneamente antes e depois
buscando um agora que possa procriar
futuros
como pão na boca de nossas crianças
para que os sonhos delas não reflitam
a morte dos nossos;
Para aquelas de nós
que foram marcadas pelo medo
como uma linha tênue no meio de nossas testas
aprendendo a ter medo com o leite de nossas mães
pois por essa arma
essa ilusão de alguma segurança vindoura
os marchantes esperavam nos calar
Para todas nós
este instante e esta glória
Não esperavam que sobrevivêssemos
E quando o sol nasce nós temos medo
ele pode não durar
quando o sol se põe nós temos medo
ele pode não nascer pela manhã
quando estamos de barriga cheia nós temos medo
de indigestão
quando nossos estômagos estão vazios nós temos medo
nós podemos nunca mais comer novamente
quando somos amadas nós temos medo
o amor vai acabar
quando estamos sozinhas nós temos medo
o amor nunca vai voltar
e quando falamos nós temos medo
nossas palavras não serão ouvidas
nem bem-vindas
mas quando estamos em silêncio
nós ainda temos medo
Então é melhor falar
lembrando que
não esperavam que sobrevivêssemos
"se você vier de leve"
se vier tão de leve
quanto o vento pelas árvores
vai poder ouvir o que ouço
ver o que a aflição vê.
se você vier tão pela superfície
quanto o fio do orvalho
vou te receber com alegria
não vou te pedir mais nada.
você pode sentar perto de mim
silente como um sopro
e só quem continua morta
vai se lembrar da morte.
e se você vier eu vou ficar em silêncio
não vou te dizer palavras ásperas.
não vou te perguntar por que, agora
ou como, ou o que você faz.
nós vamos nos sentar aqui, de leve
embaixo de dois anos diferentes
e a terra farta entre nós
vai beber nossas lágrimas.
"fantasia e diálogo"
sapas manchadas pulam da minha boca
pra ir mergulhar no café
entre nossos entendimentos
e decisões
eu posso sorrir
e virar essas sapas em pérolas
falar sobre amor, nosso fazê-lo
nosso dar-se.
e se o feitiço funcionar
vou arruinar
ou montar o que está quebrado
numa nova casa
abalada pela confusão (?)
vou desvirar
antes que nossa mágica
mude de cor?
trad. tatiana nascimento